Mão Morta & Remix Ensemble da Casa da Música

Um casal de pegas rabudas faz o ninho em frente à minha janela -
todas as manhãs sou acordado pelo seu intenso grasnar e fico a
vê-las trazer pauzinhos com o bico - acho que é um sinal de
boas-vindas ter dois passaritos assim expostos na sua intimidade
- é como se me dissessem "eis um bom lugar para começar tudo de
novo. fazemos-te confiança…" - o marroquino do bar da esquina
recebe-me sempre com um rasgado sorriso e um caloroso aperto de
mão - de vez em quando oferece-me mesmo as bebidas - está outra
vez a chover - chove muitas vezes - uma chuva miudinha, que mal
se sente e que não impede ninguém de sair de casa - nestas
alturas o céu fica pesado, cor de chumbo, a tocar os telhados -
é quando eu mais gosto de ir à deriva, levado pelas sombras que
aqui e ali afloram em determinadas ruas - no outro dia
encontrei...
Why can't you just get physical like a human
Não foi bem uma vista aérea, foi uma coisa estranha, como se
estivesse em cima...
Why can't you just get physical like a human
Uma espécie de aldeia em miniatura, que eu percorria por dentro
estando fora...
Why can't you just get physical like a human
É como se olhasse para as minhas botas e as visse dentro dos
meus pés, apesar de calçadas...
Why can't you just get physical like a human
Era como se eu fosse maior do que o que sou - como se estivesse
todo dentro de algo mais pequeno do que eu - dentro e fora em
simultâneo, porque ao mesmo tempo que cabia lá dentro era maior
do que aquilo em que cabia - uma espécie de ilusão física - de
anulação do volume - ou de inibição do impossível - uma
abstracção indizível...
Why can't why can't why can't you just get physical like a
human

Why can't why can't why can't you just get physical like a
human

Why can't why can't why can't you just get physical like a
human

Why can't why can't why can't you just get physical like a
human

Why can't why can't why can't you just get physical like a
human

Why can't why can't why can't you just get physical like a
human

Well the buyer comes look more more like a junkie can't drink
can't get it up his lips falls down

Vivia na temperatura tépida dos lençóis
Aquele que dava pelo estranho nome
De Amor. Às vezes soltava-se
E percorria pela mão
Dos adolescentes ruas desertas, sombras
Escuras e conspiradoras - soltou-se
O Amor - alguém gritava.
E vinha o vermelho e invadia o vermelho
E assanhavam-se os gatos conscientes
Da invasão da sua noite
Solitária. Depois apagava-se
A última luz da última janela e desaparecia
O Amor na tépidez dos lençóis.
Ficava a lua, ficava
O luar azul a reflectir perigosamente
Nas lâminas ensaguentadas
Dos adolescentes...

Tu disseste "quero saborear o infinito"
Eu disse "a frescura das maçãs matinais revela-nos segredos insondáveis"
Tu disseste "sentir a aragem que balança os dependurados"
Eu disse "é o medo o que nos vem acariciar"
Tu disseste "eu também já tive medo. muito medo. recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da porta"
Eu disse "acabamos a gostar do medo, do arrepio que nos suspende a fala"
Tu disseste "um dia fiquei sem nada. um mundo inteiro por descobrir"
Eu disse "..."

Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"

Tu disseste "agora procuro o desígnio da vida. às vezes penso encontrá-lo num bater de asas, num murmúrio trazido pelo vento, no
piscar de um néon. escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo. depois queimo tudo e prossigo a minha busca"
Eu disse "eu não faço nada. fico horas a olhar para uma mancha na parede"
Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar, as suas formas num palpitar quase imperceptível?"
Eu disse "não. a mancha continua no mesmo sítio, eu continuo a olhar para ela e não se passa nada"
Tu disseste "e no entanto a mancha alastra e toma conta de ti. liberta-te do corpo. tu é que não vês"
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"

Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"

Esta é a história de Tiago Capitão que foi maoísta no tempo da revolução e negreiro quando passou a confusão,
O seu poder subterrâneo edificou-o ao acaso das férias pelo mediterrâneo,
De Gibraltar a porto fino, onde encantava com o seu ar ladino os turistas mais ávidos de agitação.

Quando soprava o vento suão organizava escabrosos carnavais,
Onde virgens de enigmáticas origens, manancial de carne fresca
Que desembarcava em misteriosos barcos de pesca,
Eram sacrificadas ao cruel manejo dos bacantes inflamados de desejo.

Nas noites de lua cheia formava pretendidas epopeias por vivendas que sabia desocupadas,
E que eram então arrombadas, profanadas e mesmo incendiadas, numa volúpia de destruição
Que lhe ia firmando a reputação, criou assim uma horda de veraneantes unidos por um mesmo brado viciante:

Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão!
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão!
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão!
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão!

Mas tudo tem um fim. e o fim chegou.
Apesar de Tiago, o capitão, depois de incutir o gosto pela devassidão
E assegurar um timoneiro para a sua substituição,
Ter o cuidado de sempre mudar de localidade e assim despistar a sua identidade,
O seu nome acabou nos registos do polícia,
Que esperava uma ocorrência propicia para lhe deitar a mão.

E chegou o fatídico findôr em que Tiago o capitão foi encurralado como um cão danado e,
Antes mesmo de poder esboçar um gesto de protesto, condenado por uma saraivada de balas a uma morte sem galas.

Mas o seu exemplo manteve-se presente e não deixou indiferente quem com ele aprendeu a amar o verão com a lasciva da transgressão, e ainda, hoje por noites de lua cheia, em lugarejos espalhados pela costa mediterrânica, de gibraltar a porto fino, se podem ouvir os ecos malditos da canção de Tiago, o capitão.

Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão!
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão!
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão!
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão!
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão! (oiçam a canção)
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão! (é a canção do capitão)
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão! (oiçam a canção)
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão! (é a canção do capitão)
Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó capitão!

na lapela uma agulha adornada c'um brilhante
na orelha uma argola de pirata petulante
o andar afectado de quem anda nas alturas
espreitando do bolso um folheto com torturas
ou então um volume de cozinha libertária
que ninguém percebia ao fazer a culinária

todo o dia a jogar a um jogo de charadas
entre copos de absinto e mistelas inaladas
recitamos poemas em delírio fonético
inventamos dadá em registo frenético
e depois já cansados vamos todos para a cama
numa orgia colectiva que não vinha no programa

é preciso é estilo! não cansamos de dizer
num verniz de desdém que nos dá muito prazer
assumindo o deboche cada vez mais descarado
insurrectos em graça adorando o acto ousado
somos fãs da desbunda do deleite permanente
e assim passa o tempo e com ele nova gente

é preciso é estilo em delírio fonético
é preciso é estilo adorando o acto ousado
é preciso é estilo de pirata petulante
é preciso é estilo vamos todos para a cama
é preciso é estilo em deleite permanente
é preciso é estilo de quem anda nas alturas

Quem vem do cemitério pela rua do antigo teatro, chegando ao largo onde estão as ruínas da igreja dos jesuítas, vira à direita, para a rua da estação do caminho de ferro, e segue sempre em frente, acompanhando a linha do comboio, até chegar a um barracão a que chamam museu e onde guardam as velhas locomotivas a vapor e as ferrugentas carruagens de bancos de madeira. Aí, mete pela rua onde não passam carros até chegar a um quiosque, daqueles redondos, frente ao qual, do lado esquerdo da rua, existe um cafezinho com esplanada onde ainda servem café de saco. Entra pelo café e sai pela outra porta, que dá para a rua do jardim. Contorna depois o lago dos cisnes, em direcção ao cruzamento com semáforos, e mete pela avenida do cinema, no sentido do novo bairro administrativo, até chegar a um arranha-céus acabado de construir. Aí, vira à direita para a rua que passa pelas piscinas recentemente inauguradas e, chegando ao centro comercial em construcção, aquele que dizem vir a ser o maior da Europa, com não-sei-quantas lojas e não-sei-quantos andares, enfia pela rua que ladeia os terrenos destinados ao futuro complexo desportivo no fim da qual encontra a... maternidade... maternidade...

O tempo não espera por mim!
O tempo não espera por mim!
O tempo não espera por mim!
O tempo não espera por mim!

Caminho em silêncio
Distraído por um pensar
Que me turba o andar
Penso que penso
E fico a ouvir-me a pensar
Que penso que penso
Este pensamento
Torna-se um tormento
Penso que penso
Que penso que penso
Sempre o mesmo a dobrar
Como vozes a segredar
Penso que penso
Que penso que penso
Que ainda vou flipar
Flipar

ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM
ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM

Já não posso mais andar
Com tanta voz a murmurar
Levado pelo vento
Penso que penso
Que penso que penso
Que penso que penso
E se penso em parar
É mais um pensamento
Que me fica a ecoar
Outra voz a segredar
Outra voz a murmurar
Murmurar...

Murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar
murmurar
Murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar
murmurar

ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM
ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM

Como posso eu dizer que te amo,
se não encontro amor em mim?
Apenas raiva, de tanto calar a mágoa
tenho nojo da minha condição.

enxovalhado no trabalho
maltratado na doença
humilhado no salário
aviltado na dignidade
resta pouco para gostar de mim
e ainda menos para amar

A hipótese do suicídio
Liberta-nos para a vida

tenho os passos vigiados no labirinto das notícias. das estatísticas não consigo escapar. quimeras mercantis e mexericos mediáticos invadem-me a solidão. a realidade não existe. a fuga é para lado nenhum. tive uma ideia, tive uma ideia, vamos fugir! tive uma ideia, tive uma ideia, foge comigo! tive uma ideia, tive uma ideia, vamos fugir! tive uma ideia, tive uma ideia, foge comigo! a informação está em toda a parte. mil olhos nos vigiam. ninguém sabe quem dá as ordens. mas elas cumprem-se. a televisão transmite-nos a realidade, transmite-nos as ordens. eu cumpro. a única fuga é a loucura. tive uma ideia, tive uma ideia, vamos fugir! tive uma ideia, tive uma ideia, foge comigo! tive uma ideia, tive uma ideia, vamos fugir! tive uma ideia, tive uma ideia, foge comigo! tenho um grilo falante um grilo falante um pateta desastrado desastrado um cavaleiro andante cavaleiro andante um pardal alucinado pardal alucinado tenho uma top-model uma top-model um vingador implacável implacável tenho um prémio Nobel tenho um prémio Nobel uma amante insaciável insaciável tenho um serial killer tenho um serial killer tenho deus disfarçado deus disfarçado sou o maior dealer sou o maior dealer que se encontra no mercado

Um traço, um berço
Dois destinos que se cruzam na lonjura da distância
Erva fálica pelo caminho
Distúrbios, subúrbios
Automóveis ferrugentos desenhando o horizonte
Os paralelos asfixiam a alma Solidão, saudade
Rumagens, romaria aos queridos defuntos
Carcaças abandonadas ao passado
Lágrimas, fábricas
Tempo invernoso sublinhando a ausência
A música ouve-se triste
Solidão!
Saudade!
Romagens!
Romarias!
Solidão!
Saudade!
Queridos!
Defuntos!

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