Rui Veloso em Vila do Conde

Era Outono e a tristeza
Caía naqueles lados
Como se dobrassem sinos
Com um toque de finados

O mundo chamava a Alice
E ela sem vontade de ir
Tão cedo para estar amarga
Mais ainda pra cair

Talvez uma só palavra
Talvez uma só missiva
Pudesse mudar a agulha
Dum coração à deriva

Mas o carteiro passou
Nada deixou, nada disse
E o recado não chegou
Ninguém escreve à Alice
Ninguém escreve à Alice

Até que veio o Inverno
Do seu descontentamento
Que lhe enregelou a alma
Com um frio mudo e lento

E uma noite foi para a rua
Com roupas de ritual
Ao longe brilhavam néons
Foi notícia no jornal

Talvez uma só palavra
Talvez um simples recado
Pudesse mudar a agulha
Dum coração desvairado

Mas o carteiro passou
Nada deixou nada disse
E o recado não chegou
Ninguém escreve à Alice

Mas o carteiro passou
Nada deixou nada disse
E o recado não chegou
Ninguém escreve à Alice

Não há estrelas no céu a dourar o meu caminho
Por mais amigos que tenha sinto-me sempre sozinho
De que vale ter a chave de casa para entrar
Ter uma nota no bolso pra cigarros e bilhar?

A primavera da vida é bonita de viver
Tão depressa o Sol brilha como a seguir está a chover
Para mim hoje é Janeiro, está um frio de rachar
Parece que o mundo inteiro se uniu pra me tramar!

Passo horas no café, sem saber para onde ir
Tudo à volta é tão feio, só me apetece fugir
Vejo-me à noite ao espelho, o corpo sempre a mudar
De manhã ouço o conselho que o velho tem pra me dar

A primavera da vida é bonita de viver
Tão depressa o Sol brilha como a seguir está a chover
Para mim hoje é Janeiro, está um frio de rachar
Parece que o mundo inteiro se uniu pra me tramar!
Hu-hu-hu-hu-hu, hu-hu-hu-hu-hu

Vou por aí às escondidas, a espreitar às janelas
Perdido nas avenidas e achado nas vielas
Mãe, o meu primeiro amor foi um trapézio sem rede
Sai da frente por favor, estou entre a espada e a parede

Não vês como isto é duro, ser jovem não é um posto
Ter de encarar o futuro com borbulhas no rosto
Porque é que tudo é incerto, não pode ser sempre assim
Se não fosse o Rock and Roll, o que seria de mim?

A primavera da vida é bonita de viver
Tão depressa o Sol brilha como a seguir está a chover
Para mim hoje é Janeiro, está um frio de rachar
Parece que o mundo inteiro se uniu pra me tramar!
Não há-á-á estrelas no céu

Um deste dias vou poder
apaixonar-me outra vez
sem me importar de saber
se vai durar um ano ou um mês

Correr e saltar num dia
depois não dormir tranquilo
pensar que o amor é isto
e descobrir que afinal é aquilo

Já não há canções de amor
como havia antigamente
já não há canções de amor

Um destes dias vou ser capaz
de encontrar a felicidade
avançar em marcha atrás
ir de verdade em verdade

Dizer que o amor é aquilo
que ontem estava descoberto
e ver que o fim duma paixão
espreita sempre um deserto

Já não há canções de amor
por não haver quem acredite
já não há canções de amor
por não haver quem acredite

E vós almas tão ingénuas
cujo amor não tem saída
que buscais nas tolas canções
o açúcar que adoça a vida

Não percebeis que é o engano
que prova que há uma chance
acertar à primeira não é humano
é a essência do romance

Já não há canções de amor
como havia antigamente
já não há canções de amor
vou investigar o caso
com o máximo rigor
tirar a limpo a verdade
que há nas canções de amor
vou saber se ainda é possível
escrever canções de amor

Bato a porta devagar,
Olho só mais uma vez
Como é tão bonita esta avenida...
É o cais. Flor do cais:
Águas mansas e a nudez
Frágil como as asas de uma vida

É o riso, é a lágrima
A expressão incontrolada
Não podia ser de outra maneira
É a sorte, é a sina
Uma mão cheia de nada
E o mundo à cabeceira

Mas nunca
Me esqueci de ti
Não nunca me esqueci de ti
Eu nunca me esqueci de ti
Não nunca me esqueci de ti

Tudo muda, tudo parte
Tudo tem o seu avesso.
Frágil a memória da paixão...
É a lua. Fim da tarde
É a brisa onde adormeço
Quente como a tua mão

Mas nunca
Me esqueci de ti
Não, nunca me esqueci de ti
Não, nunca me esqueci de ti
Eu nunca me esqueci de ti

Nunca me esqueci de ti
Não não não não não nunca me esqueci de ti

Não não não não não não não não
Nunca me esqueci de ti

Não não
Nunca me esqueci de ti

Roendo uma laranja na falésia
Olhando o mundo azul à minha frente
Ouvindo um rouxinol na redondeza
No calmo improviso do poente

Em baixo fogos trémulos nas tendas
Ao largo as águas brilham como prata
E a brisa vai contando velhas lendas
De portos e baías de piratas

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um Vizir de Odemira
Que dizem que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Côvo

A lua já desceu sobre esta paz
E reina sobre todo este luzeiro
Á volta toda a vida se compraz
Enquanto um sargo assa no brazeiro

Ao longe a cidadela de um navio
Acende-se no mar como um desejo
Por trás de mim o bafo do destino
Devolve-me à lembrança do Alentejo

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um Vizir de Odemira
Que dizem que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Côvo

Roendo uma laranja na falésia
Olhando à minha frente o azul escuro
Podia ser um peixe na maré
Nadando sem passado nem futuro

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um Vizir de Odemira
Que dizem que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Côvo

Naquele trilho secreto
Com palavras santo e senha
Eu fui língua e tu dialecto
Eu fui lume e tu foste lenha

Fomos guerras e alianças
Tratados de paz e péssangas
Fomos sardas pele e tranças
Popeline seda e ganga

Recordo aquele acordo
Bem claro e assumido
Eu trepava um eucalipto
E tu tiravas o vestido

Dessa vez tu não cumpriste
E faltaste ao prometido
Eu fiquei sentido e triste
Olha que isso não se faz

Disseste que se eu fosse audaz
Tu tiravas o vestido
O prometido é devido

Rompi eu as minhas calças
Esfolei mãos e joelhos
E tu reduziste o acordo
A um montão de cacos velhos

Eu que vinha de tão longe
(do outro lado da rua)
Fazia o que tu quisesses
Só para te poder ver nua

Quero já os almanaques
Do fantasma e do patinhas
Os falcões e os mandrakes
Tão cedo não terás novas minhas

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