Jorge Palma no Pavilhão Rosa Mota

Quero o silêncio do arco íris
Quero a alquímia das estações
Quero as vogais todas abertas
Quero ver partir os barcos
Prenhos de interrogações

Amo o teu riso prateado
Como se a lua fosse tua
Vou pendurar-me nos teus laços
Vou rasgar o teu vestido
Eu quero ver-te nua

Vivemos no tempo dos assassinos
Tempo de todos os hinos
Ouvimos dobrar os sinos
Quem mais jura
É quem mais mente

Vou arquitectar destinos
Sou praticamente demente...

Eu quero ver-te alucinado
Eu quero ver-te sem sentido
Sem passado e sem memória
Quero-te aqui no presente
Eternamente colorido

Porque abomino o trabalho
Se trabalhasse estava em greve
Se isto não te disser tudo
Arranja-me um momento mudo
O menos possível breve

Vivemos o tempo dos assassinos
Tempo de todos os hinos
Ouvimos dobrar os sinos
Quem mais jura
É quem mais mente

Vou arquitectar destinos
Sou praticamente demente...

Amo o teu riso prateado
Como se o Sol só fosse teu
Vou pendurar-me no teu laço
Amachucar-te essa camisa
Como se tu fosses eu
Como se tu fosses eu
Como se tu fosses eu

Dormia tão sossegada
Pernas tão tenras na cama
Eu fui-me chegando a ela
Quis partilhar uma chama

Dormia tão sossegada
Os dedos tão inocentes
Eu desejei-a tão forte
Os preconceitos ausentes

E a lua estava lá fora
Para além do firmamento
A fingir que não sorria
Desse espantoso momento

Dormia tão sossegada
Os lábios entreabertos
A calma em forma de sonho
Com os sentidos despertos

Ela ficou sossegada
Depois da minha visita
A desenhar os lençóis
Ficou ainda mais bonita

E a lua estava lá fora
Para além do firmamento
A fingir que não sorria
Desse espantoso momento

Nunca ninguém me tinha dito
Assim tão bem
Como alguém pode ser tão igual
Independentemente donde vimos,
Da cor da nossa pele,
Da nossa religião,
Do nosso dinheiro,
Da nossa moral

E a lua estava lá fora
Para além do firmamento
A fingir que não sorria
Desse espantoso momento
Desse espantoso momento
Desse espantoso momento.

Os teus olhos são cor de pólvora e o teu cabelo é o rastilho
O teu modo de andar é uma forma eficaz de atrair sarilho
A tua silhueta é um mistério da criação
E sobretudo tens cara de anjo mau

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
Basta um olhar teu e o chão começa a ceder
Cara de anjo mau, contigo é fácil cair
Quem te ensinou a ser sempre a última a rir

Que posso eu fazer ao ver-te acenar a ferida universal
Que posso eu desejar ao avistar tão delicioso mal
Que posso eu parecer quando me sinto fora de mim
Que posso eu tentar senão ir até ao fim

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
Basta um olhar teu e o chão começa a ceder
Cara de anjo mau, contigo é fácil cair
Quem te ensinou a ser sempre a última a rir

Por ti mandava arranjar os dentes e comprava um colchão
Por ti mandava embora o gato por quem tenho tanta afeição
Por ti deixava de meter o dedo no meu nariz
Por ti eu abandonava o meu país

Cara de anjo mau, tu deitas tudo a perder
Basta um olhar teu e o chão começa a ceder
Cara de anjo mau, contigo é fácil cair
Quem te ensinou a ser sempre a última a rir

Chegaste com três vinténs
E o ar de quem não tem
Muito mais a perder
O vinho não era bom
E a banda não tinha tom
Mas tu fizeste a noite apetecer

Mandaste a minha solidão embora
Iluminaste o pavilhão da aurora
Com o teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar

Eu fiquei louco por ti
Logo rejuvenesci
Não podia falhar
Dispondo a meu favor
Da eloquência do amor
Ali mesmo à mão de semear

Mostrei-te a origem do bem e o reverso
Provei-te que o que conta no universo
É esse passo inseguro
E o paraíso no teu olhar

Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a música acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar

Eu tinha o espírito aberto
Às vezes andei perto
Da essência do amor
Porém no meio dos colchões
No meio dos trambolhões
A situação era cada vez pior

Tu despertaste em mim um ser mais leve
E eu sei que essencialmente isso se deve
Em esse passo inseguro
E ao paraíso no teu olhar

Dá-me lume, dá-me lume
Deixa o teu fogo envolver-me
Até a música acabar
Dá-me lume, não deixes o frio entrar
Faz os teus braços fechar-me as asas
Há tanto tempo a acenar

Se eu fosse compositor
Compunha em teu louvor
Um hino triunfal
Se eu fosse crítico de arte
Havia de declarar-te
Obra-prima à escala mundial

Mas eu não passo dum homem vulgar
Que tem a sorte de saborear
Esse teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar
Esse teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar

Esse teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar

Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar

Só por ter dois sois
Só por hesitar
Fiz a cama na encruzilhada
E chamei casa a esse lugar

E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não tem chão
E as mãos perdem a razão

Só por inventar
Só por destruir
Tenho as chaves do céu e do inferno
E deixo o tempo decidir

E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não tem chão
E as mãos perdem a razão

Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
Eu sei que nenhuma vai ganhar

Os serões habituais
E as conversas sempre iguais
Os horóscopos, os signos e ascendentes
Mais a vida da outra sussurrada entre dentes

Os convites nos olhos embriagados
Os encontros de novo adiados
Nos ouvidos cansados ecoa
A canção de Lisboa

Não está só a solidão
Há tristeza e compaixão
Quando o sono acalma os corpos agitados
Pela noite atirados contra colchões errados

Há o silêncio de quem não ri, nem chora
Há divórcio entre o dentro e o fora
E há quem diga que nunca foi boa
A canção de Lisboa

Mamã, mamã
Onde estás tu, mamã?
Nós sem ti não sabemos, mamã
Libertar-nos de mal

Mamã, mamã
Onde estás tu, mamã?
Nós sem ti não sabemos, mamã
Libertar-nos do mal

Não está só a solidão (não) (urgência do que?)
Qualquer coisa para mostrar
Que afinal nós também temos mão na vida
Mesmo que seja à custa de a vivermos fingida

Um estatuto para impressionar o mundo
Não precisa de ser mais profundo
Que o marasmo que nos atordoa
Ó canção de Lisboa

As vielas de neon
E as guitarras já sem som
Vão mantendo viva a tradição da fome
Que a memória deturpa e o orgulho consome

Entre o orgasmo na gruta ainda fria
E o abandono da carne vazia
Cada um no seu canto entoa
A canção de Lisboa

Mamã, mamã
Onde estás tu, mamã?
Nós sem ti não sabemos, mamã
Libertar-nos de mal

Mamã, mamã
Onde estás tu, mamã?
Nós sem ti não sabemos, mamã
Libertar-nos de mal

Mamã, mamã
Onde estás tu, mamã?
Nós sem ti não sabemos, mamã
Libertar-nos de mal

Mamã, mamã
Onde estás tu, mamã?
Nós sem ti não sabemos, mamã
Libertar-nos do mal

Numa noite em que o céu tinha um brilho mais forte
E em que o sono parecia disposto a não vir
Fui estender-me na praia sozinho ao relento
E ali longe do tempo acabei por dormir

Acordei com o toque suave de um beijo
E uma cara sardenta encheu-me o olhar
Ainda meio a sonhar perguntei-lhe quem era
Ela riu-se e disse baixinho, estrela do mar

Sou a estrela do mar
Só ele obedeço, só ele me conhece
Só ele sabe quem sou no principio e no fim
Só a ele sou fiel e é ele quem me protege
Quando alguém quer à força
Ser dono de mim

Não se era maior o desejo ou o espanto
Só sei que por instantes deixei de pensar
Uma chama invisível, incendiou-me o peito
Qualquer coisa impossível, fez-me acreditar

Em silêncio trocámos segredos e abraços
Inscrevemos no espaço um novo alfabeto
Já passaram mil anos sobre o nosso encontro
Mas mil anos são poucos ou nada para a estrela do mar

Estrela do mar
Só ele obedeço, só ele me conhece
Só ele sabe quem sou no principio e no fim
Só a ele sou fiel e é ele quem me protege
Quando alguém quer à força
Ser dono de mim

Encosta-te a mim
Nós já vivemos cem mil anos
Encosta-te a mim
Talvez eu esteja a exagerar
Encosta-te a mim
Dá cabo dos teus desenganos
Não queiras ver quem eu não sou
Deixa-me chegar

Chegado da guerra
Fiz tudo pra sobreviver, em nome da terra
No fundo pra te merecer
Recebe-me bem
Não desencantes os meus passos
Faz de mim o teu herói
Não quero adormecer

Tudo o que eu vi
Estou a partilhar contigo
O que não vivi, hei de inventar contigo
Sei que não sei
Às vezes entender o teu olhar
Mas quero-te bem
Encosta-te a mim

Encosta-te a mim
Desatinamos tantas vezes
Vizinha de mim
Deixa ser meu o teu quintal
Recebe esta pomba que não está armadilhada
Foi comprada, foi roubada, seja como for

Eu venho do nada
Porque arrasei o que não quis
Em nome da estrada, onde só quero ser feliz
Enrosca-te a mim
Vai desarmar a flor queimada
Vai beijar o homem-bomba, quero adormecer

Tudo o que eu vi
Estou a partilhar contigo, e o que não vivi
Um dia hei de inventar contigo
Sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
Mas quero-te bem

Encosta-te a mim
Encosta-te a mim
Quero-te bem
Encosta-te a mim

Põe-me o braço no ombro
Eu preciso de alguém
Dou-me com toda a gente
Não me dou a ninguém

Frágil
Sinto-me frágil

Faz-me um sinal qualquer
Se me vires falar demais
Eu às vezes embarco
Em conversas banais

Frágil
Sinto-me frágil

Frágil
Esta noite estou tão frágil
Frágil
Já nem consigo ser ágil

Está a saber-me mal
Este whisky de malte
Adorava estar in
Mas estou-me a sentir out

Frágil
Sinto-me frágil

Acompanha-me a casa
Já não aguento mais
Deposita na cama
Os meus restos mortais

Frágil
Sinto-me frágil

Frágil
Esta noite estou tão frágil
Frágil
Já nem consigo ser ágil

Deixa-me rir
Essa história não e tua
Falas da festa, do sol e do prazer
Nunca aceitaste o convite
Tens medo de te dar
E não e teu o que queres vender, não

Deixa-me rir
Tu nunca lambeste uma lágrima
Desconheces os cambiantes do seu sabor
Nunca seguiste a sua pista
Do regaço à nascente
Não me venhas falar de amor

Pois é, pois é
Há quem viva escondido a vida inteira
Domingo sabe de cor, o que vai dizer
Segunda-feira

Deixa-me rir
Tu nunca auscultaste esse engenho
De que falas com tanto apreço
Esse curioso alambique
Onde são destilados
Noite e dia o choro e o riso

Deixa-me rir
Ou entao deixa-me entrar em ti
Ser o teu mestre só por um instante
Iluminar o teu refúgio
Aquecer-te essas mãos
Rasgar-te a mascara sufocante

Pois é, pois é
Há quem viva escondido a vida inteira
Domingo sabe de cor, o que vai dizer
Segund-feira

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