Tarde de chuva, a península inteira a chorar
Entro numa igreja fria com um círio cintilante
Sentada, imóvel, fumando em frente ao altar
Silhueta, esboço, a esfinge de um anjo fumegante
Há em mim um profano desejo a crescer
Sinto a língua morta e o latim vai mudar
Os santos do altar devem tentar compreender
O que ela faz aqui fumando
Estará a meditar?
Ai, ui, atirem-me água benta
Ajoelho-me, benzo-me, arrependo-me, esconjuro-a
Atirem-me água fria
Por ela assalto a caixa de esmolas
Atirem-me água benta
Com ela eu desço ao inferno de Dante
Atirem-me água fria
Ai, ui, atirem-me água benta
Por ela assalto a caixa de esmolas
Por parecer latina cálculo que o nome dela
É Maria
É casta, eu sei, se é virgem ou não depende
Da nossa fantasia
Por parecer latina suponho que o nome dela
É Maria
É casta, eu sei, se é virgem ou não depende
Da nossa fantasia
Há um prenúncio de morte
Lá do fundo donde eu venho
Os antigos chamam-lhe relho
Novos ricos são má sorte
É a pronúncia do Norte
Os tontos chamam-lhe torpe
Hemisfério fraco, outro forte
Meio-dia não sejas triste
A bússola não sei se existe
E o plano talvez aborte
Nem guerra em bairro ou corte
É a pronúncia do Norte
É um prenúncio de morte
Corre o rio para o mar
Não tenho barqueiro
Nem hei de remar
Procuro caminhos
Novos para andar
Colheste os ramos
Onde pousavam
Da geada às pérolas
As fontes secaram
Corre o rio para o mar
E há um prenúncio de morte
E as teias que vidram
Nas janelas
Esperam um barco
Parecido com elas
Não tenho barqueiro
Nem hei de remar
Procuro caminhos
Novos para andar
É a pronúncia do Norte
Corre o rio para o mar
E as teias que vibram nas janelas
Esperam um barco parecido com elas
Não tenho barqueiro
Nem hei de remar
Procuro caminhos novos para andar
É a pronúncia do norte
Corre o rio para o mar
Vivo numa ilha sem sabor tropical
a fauna é variada demografia acidental
não é de origem elevada díficil de recensear
é mais que uma ilha é quase continental
não está cercada por água mas não faz mal
quem a rodeia por vezes é a força policial
Baby Doc ou Papa Doc nunca vi
nem qualquer ditador da America Central
cá não há candidato á autarquia local
só orgulho analfabeto mas com cultura geral
é tudo a mesma fruta a mesma caldeirada
é uma gente educada é a anarquia total
vivo numa ilha sem sabor tropical
não é de origem vulcânica
mas tem lama no Natal
não há saneamente básico
é o Bairro Oriental
Leve levemente como quem chama por mim
Fundido na bruma no nevoeiro sem fim
Uma ideia brilhante cintila no escuro um odor
A tensão do medo puro
Salto o muro, cuidado com o cão
Vejo onde ponho o pé, iço-me a mão
Encosto ao vidro um anel de brilhantes
É de fancaria a fingir diamantes
Salto a janela com muita atenção
Ponho-me à escuta, bate-me o coração
Sabem que me escondo na Bellevue
Ninguém comparece ao meu rendez-vous
Porta atrás porta pelo corredor
O foco de luz no ultimo estertor
No espelho um esgar, um sorriso cruel
Atrás da ultima porta a cama de dossel
Salto para cima experimento o colchão
Onde era sangue é só solidão
Os meus amigos enterrados no jardim
E agora mais ninguém confia em mim
Era só para brincar ao cinema negro
Os corpos no lago eram de gente no desemprego
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