Maio, maduro maio, quem te pintou
Quem te quebrou o encanto, nunca te amou
Raiava o Sol já no sul
Ti-ri-tu-ri-tu-ri-tu-ru
Ti-ri-tu-ru-tu-ru
E uma falua vinha lá de Istambul
Sempre depois da sesta chamando as flores
Era o dia da festa, maio de amores
Era o dia de cantar
Ti-ri-tu-ri-tu-ri-tu-ru
Ti-ri-tu-ru-tu-ru
E uma falua andava ao longe a varar
Maio com meu amigo quem dera já
Sempre no mês do trigo se cantará
Que importa a fúria do mar
Ti-ri-tu-ri-tu-ri-tu-ru
Ti-ri-tu-ru-tu-ru
Que a voz não te esmoreça, vamos lutar
Numa rua comprida, El-rei pastor (numa rua comprida)
Vende o soro da vida que mata a dor (vende o soro da vida)
Anda ver, maio nasceu
Ti-ri-tu-ri-tu-ri-tu-ru
Ti-ri-tu-ru-tu-ru
Que a voz não te esmoreça, a turba rompeu
Que a voz não te esmoreça, a turba rompeu (rompeu)
Do que um homem é capaz?
As coisas que ele faz
Pra chegar aonde quer
É capaz de dar a vida
Pra levar de vencida
Uma razão de viver
A vida é como uma estrada
Que vai sendo traçada
Sem nunca arrepiar caminho
E quem pensa estar parado
Vai no sentido errado
A caminhar sozinho
Vejo gente cuja vida
Vai sendo consumida
Por miragens de poder
Agarrados a alguns ossos
No meio dos destroços
Do que nunca vão fazer
Vão poluindo o percurso
Com as sobras do discurso
Que lhes serviu pra abrir caminho
À custa das nossas utopias
Usurpam regalias
Pra consumir sozinhos
Com políticas concretas
Impõem essas metas
Que nos entram casa adentro
Como a trilateral
Com a treta liberal
E as virtudes do centro
No lugar da consciência
A lei da concorrência
Pisando tudo pelo caminho
Pra castrar a junventude
Mascaram de virtude
O querer vencer sozinho
Ficam cínicos brutais
Descendo cada vez mais
Pra subir cada vez menos
Quanto mais o mal se expande
Mais acham que ser grande
É lixar os mais pequenos
Quem escolher ser assim
Quando chegar ao fim
Vai ver que errou o seu caminho
Quando a vida é hipotecada
No fim não sobra nada
E acaba-se sozinho
Mesmo sendo os poderosos
Tão fracos e gulosos
Que precisam do poder
Mesmo havendo tanta gente
Pra quem é indiferente
Passar a vida a morrer
Há princípios e valores
Há sonhos e amores
Que sempre irão abrir caminho
E quem viver abraçado
Na vida que há ao lado
Não vai morrer sozinho
E quem morrer abraçado
À vida que há ao lado
Não vai viver sozinho
Sopram ventos adversos
Junto à praia que se quis
E há sentimentos dispersos
Que são barcos submersos
No mar do que se não diz
Nos mastros que vão quebrar
Soltas velas de cambraia
E é cada remo a tentar
Menos um barco no mar
Mais um cadáver na praia
O dia nunca alcançado
Morre em todas as marés
E é sempre dia acabado
Junto ao sargaço espalhado
De tudo o que se não fez
Sopram ventos adversos
Junto à praia que se quis
Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei
Foi há tantos anos, foi há dois mil anos
Que vi no amor o meu Cristo
Que me mostraste um amor imprevisto
Que me falaste na pele e no corpo a sorrir
Meus olhos fechados, mudos, espantados
Te ouviram como se apagasses
A luz do dia ou a luta de classes
Meus olhos verdes, ceguinhos de todo para te servir
Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr’aquilo que serei
Filhos e cadilhos, panеlas e fundilhos
Metestе as minhas mãos à obra
E encontraste momentos de sobra
Para evitar que o meu corpo pensasse na vida
Teus olhos fechados, mudos e cansados
Não viam se verso, se prosa
O meu suor era o teu mar de rosas
Meus olhos verdes janelas de vida fechados por ti
Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr’aquilo que serei
Pegas-me na mão e falas do patrão
Que te paga um salário de fome
Do teu patrão que te rouba o que come
Falas contigo sozinho p'ra desabafar
Meus olhos parados, mudos e cansados
Não podem ouvir o que dizes
E fico à espera que me socializes
Meus olhos verdes, boneca privada do teu bem estar
Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr’aquilo que serei
Sou tua criada boa e dedicada
Na praça, na casa e na cama
Tu só me vês quando vestes pijama
Mas não me ouves se digo que quero existir
Meus olhos cansados ficam acordados
De noite chorando esta sorte
De ser escrava p'rá vida e p'rá morte
Meus olhos verdes vermelhos de raiva para te servir
Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr’aquilo que serei
A tua vontade, justiça, igualdade
Não chega aqui dentro de casa
Eu só te sirvo para a maré vaza
Mas eu já sinto a minha maré cheia a subir
Meus olhos cansados abrem-se espantados
P'rá vida de que me falavas
P'ra combater contra os donos de escravas
Meus olhos verdes que te vão falar e que tu vais ouvir
Mariazinha fui, em Marta me tornei
Sei aquilo que fui e que jamais serei
Cada vez que o sol se põe
Eu fico sozinho a pensar
Que vou eu fazer do novo dia que aí vem
Cada dia são cem
Cada vez que a noite chega
Com a escova do dentes a brir
Eu eu olho p'ró espelho a ver se vejo um imbecil
Cada dia são mil
Vivo na era das descobertas
E o tempo a passar sempre a horas certas
Só o tempo o passou por aqui
Só mesmo o tempo é que passou por aqui
Cada vez que a vida encolhe
Eu vou-me esticar nos lençóis
E o livro das contas quantas folhas é que tem
Cada dia são cem
Cada vez que o sono passa
Alguém já passou por aqui
Deixando um sinal do seu protesto viril
Cada dia são mil
Já lá vem um novo dia, já lá vem o sol
Já cá canta cotovia, foi-se o rouxinol
Já lá vem um novo dia, já lá vem o sol
Já cá canta cotovia, foi-se o rouxinol
É o tempo que me leva
E o tempo não é bobo a rir
Com sol ou com chuva ele molha sempre a alguém
Cada dia são cem
É o tempo que me espera
À porta de cada paixão
Fazendo a inspeção da evolução do meu perfil
Cada dia são mil
Vivo na era das descobertas
E o tempo a passar sempre a horas certas
Só o tempo o passou por aqui
Só mesmo o tempo é que passou por aqui
Devagar, que tenho pressa
Cada vez que a noite chorar
Por que é que dormir raramente sabe bem?
Cada dia são cem
Devagar, que tenho pressa
Depressa, que tenho vagar
De noite é que eu travo a minha guerra civil
Cada dia são mil
Já lá vem um novo dia, já lá vem o sol
Já cá canta cotovia, foi-se o rouxinol
Já lá vem um novo dia, já lá vem o sol
Já cá canta cotovia, foi-se o rouxinol
Cada vez que o sol se põe
Eu fico sozinho a pensar
Que vou eu fazer do novo dia que aí vem
Cada dia são cem
Que vou eu fazer do novo dia que aí vem
Cada dia são cem
Que vou eu fazer do novo dia que aí vem
Cada dia são cem
Lembra-me um sonho lindo, quase acabado
Lembra-me um céu aberto, outro fechado
Estala-me a veia em sangue, estrangulada
Estoira no peito um grito, à desfilada
Canta, rouxinol, canta, não me dês penas
Cresce, girassol, cresce entre açucenas
Afaga-me o corpo todo, se te pertenço
Rasga-me o ventre ardendo em fumo de incenso
Lembra-me um sonho lindo, quase acabado
Lembra-me um céu aberto, outro fechado
Estala-me a veia em sangue, estrangulada
Estoira no peito um grito, à desfilada
Ai! Como eu te quero! Ai! De madrugada!
Ai! Alma da terra! Ai! Linda, assim deitada!
Ai! Como eu te amo! Ai! Tão sossegada!
Ai! Beijo-te o corpo! Ai! Seara tão desejada!
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