José Afonso - Maior que o Pensamento

Foram-se os bandos dos chacais
Chegou a vez dos tribunais
Vão reunir o bom e o mau ladrão
Para votar sobre um caixão
Quando o inocente se abateu
Inda o morto não morreu

Quando o inocente se abateu
Inda o morto não morreu
A decisão do tribunal
É como a sombra do punhal
Vamos matar o justo que ali jaz
Para quem julga tanto faz
Já que o punhal não mata bem
A lei matemos também
Já que o punhal não mata bem
A lei matemos também

Soa o clarim soa o tambor
O morto já não sente a dor
Quando o deserto nada tem a dar
Vêm as águias almoçar o tribunal dá de comer
Venham assassinos ver o tribunal dá de comer
Venham assassinos ver

Se o criminoso se escondeu
Nada de novo aconteceu
A recompensa ao punho que matou
Uma fortuna a quem roubou
Guarda o teu roubo guarda-o bem
Dentro de um papel a lei

No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas pela noite calada
Vêm em bandos com pés veludo
Chupar o sangue fresco da manada

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

À toda a parte chegam os vampiros
Poisam nos prédios poisam nas calçadas
Trazem no ventre despojos antigos
Mas nada os prende às vidas acabadas

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

No chão do medo tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

São os mordomos do universo todo
Senhores à força mandadores sem lei
Enchem as tulhas bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

Dorme meu menino a estrela D'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti
Outra que eu souber será p'ra ti

Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar
Trovas e cantigas de embalar

Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta, meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a Estrela D'alva o seu fulgor
Perde a Estrela D'alva o seu fulgor

Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô

Perde a estrela D'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu'inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer
Deixa-a vir também adormecer

Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô

Que amor não me engana com a sua brandura
Se da antiga chama mal vive a amargura

Duma mancha negra duma pedra fria
Que amor não se entrega na noite vazia

E as vozes embarcam num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito

Muito à flor das águas noite marinheira
Vem devagarinho para a minha beira

Em novas coutadas junto de uma hera
Nascem flores vermelhas pela Primavera

Assim tu souberas irmã cotovia
Dizer-me se esperas pelo nascer do dia

E as vozes embarcam num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito

Muito à flor das águas noite marinheira
Vem devagarinho para a minha beira

Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flôr no ramo
Navegamos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura da manhã clara

Lá do cimo duma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noita inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá do cimo duma montanha

Onde o vento cortou amarras
Largaremos pela noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca brisa, moira encantada
Vira a proa da minha barca

A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome pra qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue dum peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu

Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou

Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada há covas feitas no chão
E em todas florirão rosas duma nação

Por trás daquela janela
Por trás daquela janela faz anos o meu amigo
E irmão não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão
Se aquela parede andasse
Se aquela parede andasse
Eu não sei o que faria não sei
Se a minha faca cortasse
Se aquela parede andasse
E grito enorme se ouvisse
Duma criança ao nascer
Talvez o tempo corresse
Talvez o tempo corresse
E a tua voz me ajudasse a cantar
Mais dura a pedra moleira
E a fé, tua companheira
Mais pode a flecha certeira
E os rios que vão pró mar

Por trás daquela janela
Por trás daquela janela faz anos o meu amigo
E irmão na noite que segue o dia
Na noite que segue o dia
O meu amigo lá dorme de pé
E o seu perfil anuncia naquela parede fria
Uma canção de alegria no vai e vem da maré
Por trás daquela janela
Por trás daquela janela faz anos o meu amigo
E irmão não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

Ao redo Matos, qando se encontrava preso pela PIDE

Amigo, maior que o pensamento
Por essa estrada, amigo vem
Por essa estrada, amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras, em todas as fronteiras
Seja bem vindo, quem vier por bem
Bem vindo seja, quem vier por bem
Se alguém houver, que não queira
Trá-lo contigo, também

Aqueles, aqueles que ficaram
Em toda a parte, todo o mundo tem
Em toda a parte, todo o mundo tem
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo, também

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade!
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena!

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade!

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena!

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade!
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade!

Comentários