Clã no Pavilhão Rosa Mota

Presa nos limites duma condição
Dou passos em volta como na prisão
Cavar ou não o túnel, eis a questão
A estudar a fuga até à exaustão

E olhar para mim
A fugir, a fugir

Ver em cada fenda a salvação
Ver em cada cor uma visão
De cada silêncio tirar uma lição
Ouvir em cada nota uma canção

E dançar até cair
Dançar e cair

A sombra que há em mim não conhece fronteiras
A ave que há em mim sobrevoa barreiras
A força em mim não conhece fronteiras
A ave que há em mim sobrevoa barreiras

E voar
Até escapar

Ver em cada sombra uma réplica do breu
E ver em cada coisa uma súplica do léu
Ver em cada passo um súbito apogeu
E ver como o azul se duplica no céu

A sombra que há em mim não conhece fronteiras
A ave que há em mim sobrevoa barreiras
A força em mim não conhece fronteiras
A ave que há em mim sobrevoa barreiras
A força em mim não tem fronteiras
A ave em mim não vê barreiras

A sombra que há em mim não conhece fronteiras
A ave que há em mim sobrevoa barreiras
A força em mim não tem fronteiras
A ave em mim não vê barreiras

(Arnaldo Antunes/ Hélder Gonçalves)

a gota caiu na poça
a poça caiu na lagoa
a lagoa caiu no mar
e aqui se fez a pessoa

a pessoa caiu na outra
a outra caiu na outra
a gota caiu na gota
e o mar se fez da garoa

agá dois homem
pra dentro da boca da boca da boca do rio
correndo escorrendo pra dentro do copo vazio
e do copo cheio transbordando, embalando o navio
chovendo, jorrando, enxurrando, enchendo o cantil

agá dois homem
pra beber e tomar banho
agá dois homem
pra nadar e fazer sopa
agá dois homem
pra molhar a plantação

contra a cabeça pedra
contra a cabeça ferro
contra a certeza inquestionável

agá dois homem
pra lavar a roupa suja
agá dois homem
pra furar a pedra dura
agá dois homem
pra chover sobre o sertão

(Carlos Tê/ Hélder Gonçalves)

Uma canção passou no rádio
E quando o seu sentido
Se parecia apagar
Nos ponteiros do relógio
Encontrou num sexto andar
Alguém que julgou
Que era para si
Em particular
Que a canção estava a falar

E quando a canção morreu
Na frágil onda do ar
Ninguém soube que ela deu
O que ninguém
Estava lá para dar
Um sopro um calafrio
Raio de sol num refrão
Um nexo enchendo o vazio
Tudo isso veio
Numa simples canção

Uma canção passou no rádio
Habitou um sexto andar

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