Sérgio Godinho nos Aliados

Isto é como tudo
não há-de ser nada
a minha namorada
é tudo que eu queira
mas vive para lá da fronteira

Separam-nos cordas
separam-nos credos
e creio que medos
e creio que leis
nos colam à pele papéis

Tratados, acordos
são pântanos, lodos

Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

Por ódio passado
(que seja maldito)
amor favorito
não tem importância
se for é de circunstância

Separam-nos crimes
separam-nos cores
a noite é de horrores
quem disse que é lindo
o sol-posto de um dia findo

Sozinho adormeço
E em teu corpo apareço
Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

Em passos tão simples
trocar endereços
num mundo de acessos
ar onde sufocas
lugar de supostas trocas

Separam-nos facas
separam-nos fatwas
pai-nossos e datas
e excomunhões
acondicionando paixões

Acenda-se a tua
luz na minha rua

Pisemos a pista
é bom que se insista
dancemos no mundo

Eu só queria dançar contigo
sem corpo visível
dançar como amigo
se fosse possível
dois pares de sapatos
levantando o pó
dançar como amigo só

No novo normal
Há cidades inteiras
Por onde rasgaram
Invisíveis poeiras
Malignas benignas
Ninguém sabe se sabe
Nem que acaso ou que destino nos cabe
O novo normal
É terreno minado
De acasos
O novo normal
É terreno minado
De acasos
No novo normal
Caem corpos à sorte
Em valas comuns
Num silêncio de morte
Cortado somente
Por soluços distantes
Longe vão os tempos de ser como dantes
No novo normal
Nunca nada vai ser
Nunca igual
No novo normal
Nunca nada vai ser
Nunca igual
Dadas as circunstâncias
Mantenha as distâncias
Respeite os espaços
Controle essas ânsias
De beijos e abraços
Refreie as audácias e as inobservâncias
Escolha bem as audácias
Refreie essas ânsias
De beijos e abraços
Dadas as circunstâncias
Respeite os espaços
Respeite os espaços
No novo normal
Nunca são contas feitas
Acordaste informado
E ignorante te deitas
E amanhã pela manhã
Será que algo mudou
(Tudo) não passou de um pesadelo fugaz
Uma história do medo
Largada ao ouvido
Em segredo
Uma história do medo
Largada ao ouvido
Em segredo
No novo normal
Há grandes filas de fome
Nomes tão desgastados
Até deixar de ter nome
Até que o medo não tenha
Racionais fundamentos
E seja só um buraco negro no céu
Um horizonte de eventos
Memorial do que
Se viveu
Um horizonte de eventos
Memorial do que
Se viveu
Dadas as circunstâncias
Mantenha as distâncias
Respeite os espaços
Controle essas ânsias
De beijos e abraços
Refreie as audácias e as inobservâncias
Escolha bem as audácias
Refreie essas ânsias
De beijos e abraços
Dadas as circunstâncias
Respeite os espaços
Respeite os espaços

Não sei se estão a ver
aqueles dias em que
não acontece nada
a não ser o que
aconteceu
e não aconteceu

e do nada
há uma luz
que se acende
não se sabe
se vem de fora ou
se vem de dentro
apareceu

e dentro da porção
da tua vida, é a ti
que cabe o não trocar
nenhum futuro
pelo presente
o fazer face à face
que se teve até ali
ausente
presente

Vê lá o que fazes, há
tanto a fazer
fazes que fazes
ou pões sementes
a crescer?
Precisas de água
terra também
ventos cruzados
e o sol a chuva
que os detém
vivida a planta
refeita a casa
é espaço em branco
tempo de o escrever
e abrir asa
e a linha funda, na
palma da mão
desenha o tempo
então
desenha o tempo
então

Mas há limites de água
que cruzas
sem sequer notares
e oh, estás no deserto
e talvez no oásis
se o olhares
e não há mal
e não há bem
que não te venha
incomodar
vale esse valor?
é pra vender
ou comprar?
mas hoje
questões éticas?
agora?
por favor
que te iam prescrever
a tal receita
para a dor
vais ter que reciclar
o muito frio
e o muito quente
ausente
presente

Vê lá o que fazes, há
tanto a fazer
fazes que fazes
ou pões sementes
a crescer?
e a linha funda, na
palma da mão
desenha o tempo
então
desenha o tempo
então

"um curto espaço
de tempo"
vais preenchê-lo
com o frio
da morta morrida
ou o calor
da vida vivida?

não queiras ser
nem um exemplo
nem um mau exemplo
por si só
há dias em que é
grão da mesma mó

e a senha já tirada
já tardia
do doente
dez lugares atrás
e pouco a pouco
à frente
e cada um falar-te
das histórias
da sua vida
feliz
dorida

Vê lá o que fazes, há
tanto a fazer
fazes que fazes
ou pões sementes
a crescer?
Precisas de água
terra também
ventos cruzados
e o sol a chuva
que os detém
vivida a planta
refeita a casa
é espaço em branco
tempo de o escrever
e abrir asa
e a linha funda, na
palma da mão
desenha o tempo
então
desenha o tempo
então

e explicaram-te
em botânica,
uma espécie
que não muda
a flor do fatalismo
está feito
e se até
dá jeito alterar
só por hoje o amanhã
melhor é
transfigurar o amanhã
com todo o hoje
e as palavras tornam-se
esparsas
assumes
fazes que disfarças
escolhes paixões
ciúmes
tragédias e farsas
e faças o que faças
por vales e cumes
enconstras-te a sós, só
grão a grão
acompanhado e só
grão da mesma mó
grão da mesma mó
grão da mesma mó
grão da mesma mó

Estimado ouvinte já que agora estou consigo
Peço apenas dois minutos de atenção
É pra contar a história de um amigo
Casimiro Baltazar da Conceição

O Casimiro talvez você não conheça
A aldeia donde ele vinha nem vem no mapa
Mas lá no burgo por incrível que pareça
Era mais famoso que no Vaticano o papa

O Casimiro era assim como um vidente
Tinha um olho mesmo no meio da testa
Isto para lá dos outros dois é evidente
Por isso façamos que ia dormir a sesta

Ficava de olho aberto
Via as coisas de perto
Que é uma maneira de melhor pensar
Via o que estava mal
E como é natural
Tentava sempre não se deixar enganar
E dizia ele com os seus botões

Cuidado Casimiro
Cuidado com as imitações
Cuidado minha gente
Cuidado justamente com as imitações

Lá na aldeia havia um homem que mandava
Toda a gente um por um pôr-se na bicha
E votar nele e se votassem lá lhes dava
Um bacalhau um pão-de-ló uma salsicha

E prometeu que construía um hospital
Uma escola e prédios de habitação
E uma capela maior que uma catedral
Pelo menos a julgar pela descrição

Mas o Casimiro que era fino de ouvido
Tinha as orelhas equipadas com radar
Ouvia o tipo muito sério e comedido
Mas lá por dentro com o rabinho a dar a dar

E punha o ouvido atento
Via as coisas por dentro
Que é uma maneira de melhor pensar
Via o que estava mal
E como é natural
Tentava sempre não se deixar enganar
E dizia ele com os seus botões

Cuidado Casimiro ...

Ora o tal tipo que mandava lá na aldeia
Estava doido já se vê com o Casimiro
De cada vez que sorria à plateia
Lá se lhe viam os dentes de vampiro

De forma que para comprar o Casimiro
Em vez do insulto do boicote ou da ameaça
Disse-lhe "sabe que no fundo o admiro
Vou erguer-lhe uma estátua aqui na praça"

Mas o Casimiro que era tudo menos burro
E tinha um nariz que parecia um elefante
Sentiu logo que aquilo cheirava a esturro
Ser honesto não é só ser bem-falante

A moral deste conto
Vou resumi-la e pronto
Cada qual faz o que melhor pensar
Não é preciso ser
Casimiro para ter
Sempre cuidado para não se deixar levar

Cuidado Casimiro ...

Aprende a nadar, companheiro
aprende a nadar, companheiro
Que a maré se vai levantar
que a maré se vai levantar
Que a liberdade está a passar por aqui
que a liberdade está a passar por aqui
que a liberdade está a passar por aqui
Maré alta
Maré alta
Maré alta

Soubera eu que o senhor vinha
e com certeza não me tinha
apanhado na cozinha
ovos mexidos com salsichas
batata frita de pacote
e o que sobrou de um happy-meal
três embalagens de ketchup

Soubera eu que no rastreio
eu tinha sido o escolhido
um caso típico do meio
teria pedido ao serviço
que à parte de me ter dispensado
que atribuísse qualquer verba
p´ra eu tratar do convidado

Não é casa que se mostre
não é casa que se mostre
a um visitante tão ilustre

Mas
Benvindo Sr. Presidente
do Consenso Capicua
sente sente
Vá! Aqui no sofá
a casa é sua!
um café? Cerveja já não há
a casa é sua!
vou buscar a vassoura e a pá
a casa é sua!
e um banco corrido para estes senhores
Como é que se chamam?
Ah! Assessores...
Soubera eu do seu programa
e teria pelo menos
recolhido o sofá-cama
foi lá que ressonei pesado
sonhei vinganças de ex-marido
e nem senti que a mãe e o puto
p´la manhã tinham fugido
mas isso agora não interessa
mas isso agora não interessa
fotos, poses, peça, peça

Benvindo Sr. Presidente
do Consenso Capicua
sente sente
Vá! Aqui no sofá
a casa é sua!
um café? Cerveja já não há
a casa é sua!
vou buscar a vassoura e a pá
a casa é sua!
e um banco corrido para estes senhores
Como é que se chamam?
Assessores...

Soubera eu desta visita
e não me tinha agora aqui
a queixar-me da desdita
do futuro um parasita
eu que quis vida bonita
a sua agenda é apertada
e a sua vida correria
posso já ficar sozinho
ou quer ainda que sorria?
o certo é que o senhor merece
o certo é que o senhor merece
esquecer o que me acontece

No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas Pela noite calada
Vêm em bandos Com pés veludo
Chupar o sangue Fresco da manada

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia As portas à chegada
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada [Bis]

A toda a parte Chegam os vampiros
Poisam nos prédios Poisam nas calçadas
Trazem no ventre Despojos antigos
Mas nada os prende Às vidas acabadas

São os mordomos Do universo todo
Senhores à força Mandadores sem lei
Enchem as tulhas Bebem vinho novo
Dançam a ronda No pinhal do rei

Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada

No chão do medo Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos Na noite abafada
Jazem nos fossos Vítimas dum credo
E não se esgota O sangue da manada

Se alguém se engana Com seu ar sisudo
E lhe franqueia As portas à chegada
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada

Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada

Tudo no amor, faz do nada um tudo
Olhar mais agudo, nagevo
Mas já que o amor é cego
And love is crazy game
Por amor ceguei-me, cheguei-me
De bengala branca, tatiei no escuro
De bengala rosa, por amor procuro
Uma flor secou e em botão renasce
Será que traz veneno e paixão desfaz-se
Tudo no amor
Vivo com o fantasma, que viver em ti
Ele é cego e vê, eu ceguei e vi
É do amor à sombra e é da sombra à luz
É de assombro o amor, e é do amor a luz
Se por paixão carrego o mundo todo à costas
Diz-me só se queres, se gostas
Gostares de ti, ao gostares de mim
Abrir e fechar de olhos, traz outra cor aos olhos
Bebemos então, tão e tudo é isso
Veneno o seu contrário, por amor remisso
Tudo no amor
Vivo com o fantasma, que viver em ti
Ele é cego e vê, eu ceguei e vi
É do amor à sombra e é da sombra à luz
É de assombro o amor, que é do amor a luz
Tudo no amor, é luz

Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão
habitação
saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir

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