Clã no Pavilhão Rosa Mota

Ontem à noite
A terra tremeu;
Não foi notícia,
Ninguém mais sentiu.

Sombras sem dono
Varreram o chão.
Portas rangeram
Pedindo atenção.

Ninguém quis ouvir.

E até ver
Em cada sinal
Há só resquícios de mim.

Mas eu sei
Que vou pontual,
E este é o princípio do fim.

É o começo do fim.

Hoje nos ombros,
No meu cabelo,
Poisam gaivotas
Pedem-me asilo.

Brincam nos parques.
Crianças com os pais.
Nasceram grisalhas.
Ninguém liga aos sinais!
Ninguém lê os sinais!

E até ver
Em cada sinal
Há só resquícios de mim.

Mas só eu sei
Que vou pontual,
E este é o princípio do fim.

E até ler
A cena final
Não vou saber ao que vim.

Eu só sei
Que estou pontual,
E este é o princípio do fim.

Eu sei que é o fim.
O começo do fim.
Eu sei que é o fim.

beija o beijo
peita o peito
perna aperta
braço abraça

a pele impele
o poro explora
brecha abre
coxa encaixa

enrijece
humedece
enrijece
humedece

corpo a corpo (incorpora)
pouco a pouco (se demora)
fogo afaga (ar ofega)
joga o jogo (pega esfrega)

vê o que vem
algo alguém
sai de si
fica aqui

enrijece
humedece
enrijece
humedece

e dá o que tem
e dá o que tem
e dá o que tem
e dá o que tem

pra mim

só dá o que tem
só dá o que tem
só dá o que tem

pra mim

(dá o que tem)
pra mim (dá o que tem)
(dá o que tem)
dá o que tem

vem e vai
entra e sai
lábio lambe
segue o sangue

sua o sal
arde o sol
de tão doce
quase dói

e dá o que tem
e dá o que tem
dá-me o que tem
dá-me o que tem

amor

só dá o que tem
só dá o que tem
só dá o que tem

amor

(dá o que tem)
amor (dá o que tem)

pra mim
(dá o que tem)
amor
(dá o que tem)
só dá o que tem

sou mais um no carrossel
dos esquisitos
gente feia a girar
não é bonito?
juntos vamos celebrar
esta nossa palidez
que não dá p'ra disfarçar
como abutres no céu
são quase lindos
dois feiosos a rodar
gritando e rindo
são aberrações no ar
oh meu querido
fecha os olhos p'ra me beijar
que o mundo vai-se acabar
menos p'ra ti e p'ra mim
enquanto eu não te olhar
de tão perto assim
p'ra não me assustar
se uma bomba nuclear
tem a sua beleza
gente feia tem também
nem mesmo mata ninguém
que não mereça sim
morrer por ser ruim
por fazer sofrer
quem me quer assim
sobramos só nós dois
ninguém p'ra comparar
o nosso bolo de arroz
com champanhe e caviar

É um dom
Esquecer o chumbo das palavras
Quando alguém já as dourou.

E é um dom
Travar o revirar dos olhos
Sempre que um verso é
sobre amor
Oh...versejar o amor.

Se é ligeiro,
Faz-se inteiro
Dum vazio
Que é loquaz.

Mas, se é denso,
Está propenso
A dar estofo às coisas vãs.

Quão rebuscado é o nosso amor?
Oh, tão sincero e impostor.
Menos, mais - o que é o melhor?

Mil palavras por cada acção
Pra o problema
não ser de expressão.

Prudência é um dom:
Ter favos de reserva prá caneta
Quando o mel
Se acabou.

E é um dom
Descomplicar palavras-passe
Se a contra-senha for de amor.
Sim, decifrar o amor.

Se o que penso
Está por extenso
Enobreço
As pulsões.

Mas glossários
São grosseiros:
Dão nudez aos corações.

Quão rebuscado é o nosso amor?
...E eu pergunto
Menos ou mais, o que é o melhor?
De zero a dez, diz lá:
Quão rebuscado é o nosso amor?
Vem rabiscá-lo pra melhor.

E a verdade fica
Tão curta ao pé dum poema
Tão curta ao pé dum poema de amor.

Do tecto escuro do planetário
Desce um pavor existencial
Um desamparo tão primitivo
Que me sinto suspensa num fio umbilical

Se neste manto negro voo
Para o infinito
Se neste tempo-espaço sou
Um cisco
Se nesta esfera até a luz
É em segunda mão
Será que tudo é ilusão
Ou existe?
(É Ilusão ou não?)
(Ilusão ou não?)

E pela lente do telescópio
Baixa uma angústia sideral
Esta existência é tão diminuta
Que me sinto esmagada no vácuo original

Se neste manto negro voo
Para o infinito
Se neste tempo-espaço sou
Um cisco
Se nesta esfera até a luz
É em segunda mão
Será que tudo é ilusão
Ou existe?
(É Ilusão ou não?)
(É Ilusão ou não?)

Se no céu há mais estrelas
Que areia no deserto
Se é verdade o que nos diz
Sagan
E se o Sol que vejo ao longe
É a que está mais perto
Com que força me desperto
Amanhã?
(Quem sou eu, aqui?)
(Ilusão ou não?)
(Quem sou eu, aqui?)
(É ilusão ou não?)

Tudo no amor
Faz do nada um tudo
O olhar mais agudo
Navego

Mas já que o amor é cego
And love is a crazy game
Por amor ceguei-me
Cheguei-me

De bengala branca
Tacteei no escuro
De bengala rosa
Por amor procuro

Uma flor secou
E em botão renasce
Será que traz veneno
E a paixão desfaz-se

Tudo no amor
Vive com o fantasma
Que viver em ti
Ele é cego e vê
E eu ceguei e vi
É do amor a sombra
E é da sombra a luz
É da sombra o amor
E é do amor a luz

Se por paixão carrego
O mundo todo às costas
Diz-me só se queres
Se gostas

Gostarás de ti
Ao gostares de mim?
O abrir e fechar de olhos
Traz outra cor aos olhos?

Bebemos então
Tão e tudo a isso
Veneno e o seu contrário
Por amor remisso

Tudo no amor
Vive com o fantasma
Que viver em ti
Ele é cego e vê
E eu ceguei e vi
É do amor a sombra
E é da sombra a luz
É da sombra o amor
E é do amor a luz

Tudo no amor
É luz

Eu vou no arrepio
Eu vivo o desconforto
Eu sinto o calafrio
Pressinto o maremoto

Eu falho sempre o tiro
E digo que é por pouco
Faço mira ao destino
Mas do lugar do morto

Isto é um ápice
Isto é um triz
E eu estive quase
Pra ser feliz

Hesito e não mergulho
E o susto não me passa
Eu já não tenho orgulho
Mas prezo a carapaça

É onda que recua
É nuvem que ameaça
Eu já nem saio à rua
Com medo da desgraça

Oh oh oh
Dentro do meu armário não há verão
Oh oh oh
Eu sou como o canário
Da mina de carvão

Eu sinto falta de ar
Eu tenho falta de ar

As aves já não piam
O calo já não sofre
As folhas rodopiam
E cheira a enxofre

Eu sou um gato preto
Eu nunca tenho sorte
Faço secar o trevo
Posso agoirar a morte

É um ápice
É um triz
E eu estive quase
Pra ser feliz

Oh oh oh
Aqui no meu armário não há verão
Oh oh oh
Eu sou como o canário
Da mina de carvão

Oh oh oh
No escuro do armário não há verão
Oh oh oh
Eu sou como o canário
Da mina de carvão

Eu sinto falta de ar
Preciso sair
Eu tenho falta de ar
Eu quero sair
Não dá pra respirar
Eu quero sair

Uma canção passou no rádio
E quando o seu sentido
Se parecia apagar
Nos ponteiros do relógio
Encontrou num sexto andar
Alguém que julgou
Que era para si
Em particular
Que a canção estava a falar

E quando a canção morreu
Na frágil onda do ar
Ninguém soube o que ela deu
O que ninguém
Estava lá para dar

Um sopro um calafrio
Raio de sol num refrão
Um nexo enchendo o vazio
Tudo isso veio
Numa simples canção

Uma canção passou no rádio
Habitou um sexto andar

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