João Gil no Fórum Cultural de Ermesinde

Lembras-me uma marcha de Lisboa
Num desfile singular
Quem disse
Que há hora e momento pra se amar?

Lembras-me uma enchente de maré
Com uma calma matinal
Quem foi, quem disse
Que o mar dos olhos também sabe a sal

As memórias são como livros escondidos no pó
As lembranças são os sorrisos que queremos rever devagar

Queria viver tudo numa noite
Sem perder a procurar
O tempo ou espaço
Que é indiferente pra poder sonhar

As memórias são como livros escondidos no pó
As lembranças são os sorrisos que queremos rever devagar

Quem foi que provocou vontades
E atiçou as tempestades
E Amarrou o barco ao cais?

Quem foi que matou o desejo
E arrancou um lábio ao beijo
E amainou os vendavais?

As memórias são como livros escondidos no pó
As lembranças são os sorrisos que queremos rever devagar
Devagar

Eu quero marcar um Z dentro do teu decote
Ser o teu Zorro de espada e capote
P'ra te salvar à beirinha do fim
Depois, num volte face vestir os calções
Acreditar de novo nos papões
E adormecer contigo ao pé de mim

Eu quero ser para ti o camisola dez
Ter o Benfica todo nos meus pés
Marcar um ponto na tua atenção
Se assim faltar a festa na tua bancada
Eu faço a minha ultima jogada
E marco um golo com a minha mão

Eu quero passar contigo de braço dado
E a rua toda de olho arregalado
A perguntar como é que conseguiu
Eu puxo da humildade da minha pessoa
Digo da forma que menos magoa
Foi fácil, ela é que pediu

Eu quero passar contigo de braço dado
E a rua toda de olho arregalado
A perguntar como é que conseguiu
Eu puxo da humildade da minha pessoa
Digo da forma que menos magoa
Foi fácil, ela é que pediu

A história que gente vos quer contar
Aconteceu um dia na Lisboa
Aonde o tempo corre devagar
Chegamos era cedo à ribeira
Ainda todo o peixe respirava
E a outra carne aos poucos definhava

O gemido do cordame das amarras
Juntava-se ao lamento dos porões
E o que nos chega fora são canções
A gente viu sair um'outra gente que dançava
Um estranho bailado em tom dolente
Marcado pelo bater das correntes

Anda linda
Vamos p'ra ver se é verdade que lá se pode ouvir cantar
Anda linda
Vamos ao poço dos negros p'ra ver quem pode lá morar

Mais tarde fomos ter àquela parte da cidade
Que é mais profunda do que maré baixa
E a lua só visita por vaidade
De novo a estranha moda se dançava
Agora com suspiros de saudade
Agora com bater de corações

Anda linda Vamos p'ra ver se é verdade que lá se pode ouvir cantar
Anda linda
Vamos ao poço dos negros p'ra ver quem pode lá morar

Batiam-se com barriga e roçavam-se nas coxas
Os corpos já dourados de suor
E as bocas já vermelhas dos amores
Quisemos nós saber qual é o nome desta moda
Respondeu-nos um velho já mirrado
Lundum, mas se quiserem chamem-lhe fado

Anda linda
Vamos p'ra ver se é verdade que lá se pode ouvir cantar
Anda linda
Vamos ao poço dos negros p'ra ver quem pode lá morar

Anda linda
Vamos p'ra ver se é verdade que lá se pode cantar
Anda linda
Vamos ao poço dos negros p'ra ver quem pode lá morar


Lisboa, menina e moça

No Castelo, ponho um cotovelo
Em Alfama, descanso o olhar
E assim desfaço o novelo de azul e mar

À Ribeira encosto a cabeça
A almofada, da cama do Tejo
Com lençóis bordados à pressa
Na cambraia de um beijo

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que meus olhos vêem tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura

Cidade a ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida

No Terreiro eu passo por ti
Mas da Graça eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha, sorri
És mulher da rua

E no bairro mais alto do sonho
Ponho o fado que soube inventar
Aguardente de vida e medronho
Que me faz cantar

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que os meus olhos vêem tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura

Cidade a ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida

Lisboa no meu amor, deitada
Cidade por minhas mãos despida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida

Está na hora de ouvires o teu pai
Puxa para ti essa cadeira
Cada qual é que escolhe aonde vai
A hora a hora e durante a vida inteira

Podes ter uma luta que é só tua
Ou então ir e vir com as marés
Se perderes a direção da lua
Olha a sombra que tens colada aos pés

Estou cansado, aceita o testemunho
Não tenho o teu caminho pra escrever
Tens de ser tu, com o teu próprio punho
E era isso o que, te queria dizer

Sou uma metade do que era
Com mais outro tanto de cidade
Vou-me embora, que o coração não espera
À procura da mais velha metade

Está na hora de ouvires o teu pai
Puxa para ti essa cadeira
Cada qual é que escolhe aonde vai
Hora a hora e durante a vida inteira

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