João Gil no Museu do Futebol Clube do Porto

Alguém diz com lentidão:
"Lisboa, sabes..."
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.
Alguém diz com lentidão:
"Lisboa, sabes..."
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.

Trago a fisga no bolso da trás
e na pasta o caderno dos deveres
Mestre-escola, eu sei la se sou capaz
de escolher o melhor dos dois saberes
o meu pai diz que o sol i que nos faz
minha mãe manda-me ler a lição
mestre-escola, eu sei la se sou capaz
faz-me falta ouvir outra opinião
eu ati nem sequer sou mau rapaz
com maneiras até sou bem mandado
mestre-escola diga la se for capaz
pra que lado i que me viro. pra que lado?
trago a fisga no bolso da trás
e na pasta o caderno dos deveres
Mestre-escola, eu sei la se sou capaz
de escolher o melhor dos dois saberes

Está na hora de ouvires o teu pai
Puxa para ti essa cadeira
Cada qual é que escolhe aonde vai
Hora-a-hora e durante a vida inteira
Podes ter uma luta que é só tua
Ou então ir e vir com as marés
Se perderes a direcção da lua
Olha a sombra que tens colada aos pés
Estou cansado, aceita o testemunho
Não tenho o teu caminho pra escrever
Tens que ser tu, com o teu próprio punho
Era isso o que te queria dizer
Sou uma metade do que era
Com mais outro tanto de cidade
Vou-me embora, que o coração não espera
À procura da mais velha metade

O professor de português
Empolgou-se na lição
Tropeçou caiu ao chão
Quase partiu o pescoço
Como aquele sábio grego
Que de tanto olhar o céu
Caiu dentro dum poço
O professor de português
Falava de natação
Dos poemas de Camões
Eu vi toda a epopeia
Senti o cheiro ao mostrengo
Cheirava a sal e a trovões
E a desgostos de sereia
Mas eu quero-lhe dizer
Um segredo verdadeiro
Até o Stör cair
Os livros não tinham cheiro
E eu que não tinha atenção
Era uma nota sofrível
Senti vivo o predicado
Dentro do meu coração
Saltei subi de nível
Fiz-me sujeito acordado
No centro da oração
Ó meu caro professor
Eu quero-lhe agradecer
Ter ganho o meu nariz
Nele vou a toda a parte
É uma força motriz
Vou a Roma e a Paris
Vou à Lua e vou a Marte
Ó meu caro professor...

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