Manuel Cruz na Casa da Música

Eu desta vez vou conseguir
Desta vez vou largar
Eu não estou farto eu cansei-me
Do que apenas parece
Eu não sei se eu sou forte
Só que tenho este grito
Não contem comigo
Para ser sol na terra
Eu vivi sempre em guerra
A lamber pés de puta
Não percebo as razões
Estou perdido na mata
De cabeça madura
Sempre dando na fruta

Desta vez eu desisto
De lutar contra a merda
Eu sou feito de perda
É mais do que um desabafo
É uma voz que desperta
Um consolo de abutre
No direito à vivência
Do pacote completo
Não lamento palavras
São o meu alimento
Nem o amor que reservo
A quem me vê fora delas
Trago a bomba no peito
Não a trago no saco
Tira-me o teu retrato
Sem remorsos do assalto
Quando não se tem alma
Não se corre esse risco

Tu não sonhas quem sou
Tu não vês nem metade
Só queria cantar
Já não sei bem porquê
E perguntas então
Porque não pões um fim
Nessa vida sofrida
A resposta tem graça
É que eu adoro esta vida

Ainda não acabei

Vamos embora chorar
Vamos embora sorrir
Vamos embora sair
Vamos embora ficar
Vamos embora cair
Vamos embora voltar
Vamos embora ou não
São tudo coisas do chão

Ainda não acabei

tenho saudades tuas
isso eu sei porque eu sinto no meu peito essas ruas
nunca imaginei um amor assim
e agora até ficou real
mas isso trouxe coisas atrás
no momento de uma decisão percebes tudo o que o presente faz
mesmo querendo ter alguém eu quero ter-me a mim
mas meu amor
nenhum de nós deixará de ser real
passo por essas ruas
isso eu sei porque eu sinto ter ainda no meu peito coisas tuas

A minha mulher não é minha
É da cabeça dela
Mesmo achando que sim
Não precisa de mim
Isso é o que me agrada nela

Não deseja ser o meu mundo
Mas tem-me em seus desejos
Eu noto nos seus olhos
A nítida presença
Das nossas aventuras

Voa com seus pássaros fantásticos
Agnósticos, simpáticos
Por campos de razões
E quando volta traz-me caramelos

Ela não se põe à janela
De corpo iluminado
Mas mostra o universo
Ao animais de caça
Quando desce ao mercado

Desce nos cabelos das estrelas
Bem nas barbas dos fantasmas
Que aprendeu a desmontar
E acaba a transformá-los em brinquedos

A minha mulher não é minha
É da cabeça dela
Mesmo achando que sim
Não precisa de mim
Isso é o que me agrada nela

Ela é o capitão do seu navio
Ela é o capitão do seu navio
Ela é o capitão do seu navio
Ela é o capitão do seu navio

diz-me o porquê dessa canção tão triste
que me diz não vir de ninguém
decerto alguma coisa tu pediste a essa voz
que tu não sabes de onde vem

diz-me o porquê dessa canção tão triste
me fazer sentir tão bem
decerto alguma coisa mais te disse a mesma voz
que tu não dizes a ninguém

eu sei que tudo ser em vão é triste
como é triste um homem morrer
pergunta à voz se essa canção existe
e se ela não souber ninguém mais vai saber

diz-me o porquê desta canção tão triste
te fazer sentir tão bem
decerto eu oiço a voz que tu ouviste
talvez tu saibas de onde vem

a chuva molha a minha roupa
os carros não param de gritar
convidando-me para morrer
eu procuro não olhar
desse eu brilho à minha estrela
não teria de me esconder
mas a chuva nas minhas mãos lembra-me que vou morrer

meu amor está perto
vejo-o correndo para mim
só que eu não sou certo
vejo-me correndo para o fim

vem morar na tua casa
o pobre nunca te viu ficar
chegas sempre com um dos pés pronto para não entrar

meu amor está perto
vejo-o correndo para mim
só que eu não sou certo
vejo-me correndo para o fim

eu pressinto a presença
como vento em minha espinha
eles saber dos meus planos
sua casa é a minha
vou abrindo ao medo as minhas mãos
como abrindo ao medo as minhas mãos
eu desejo a sentença
como prova de uma prova
na saúde
na doença
numa crença
numa cova

vou abrindo ao medo as minhas mãos
como abrindo ao medo as minhas mãos

como vento em minha espinha
eles saber dos meus planos

mãe
eu já não sou quem era
agora tenho a minha guerra
a minha luta privada
ainda oiço a canção da lua
só já não me afasta do nada

mãe a vida é esta merda
dela só o cheiro se herda
trocamos sonhos por qualquer porcaria
canta de novo a canção da lua
enquanto não chega o dia

Se eu largar eu sinto a sua falta
Se eu agarro ela perde a cor
Ela não é dos meus dedos
É dos meus medos

E faço-me passar por uma flor
Tento imaginar o que ela diz
À espera de aprender

À face da rua existe a lua
Mas não é tua
À margem da estrada não há nada
Mas já te agrada
Tu és o teu mundo
Tu és o teu fundo
Tu és o teu poço
És o teu pior almoço
És a pulga na balança
És a mãe dessa criança
És o mal
És o bem
És o dia que não vem

Agora pára de fazer sentido
Não vês que assim estás a pisar fora da estrada
Vê se agora paras de fazer sentido
Não vês que nada nos dirá mais do que nos diz nada

Vê que o meu coração ainda salta
Quer e julga ser capaz
Não o faça por meus medos
Faça nos dedos
E eu fico para ver o que ele faz
Sem imaginar o que eu não fiz
À espera de viver

À face da chama existe a fama
Mas não te ama
À margem do nada não há estrada
Já não te agrada
Tu és o teu preço
És a tua glória
Tu és o teu medo
És a parte má da história
Vê que o sol ainda brilha
Ainda tem por onde arder
Não é mau
Não é bem
São razões para viver

Agora pára de fazer sentido
Não vês que assim estás a pisar fora da estrada
Vê se agora paras de fazer sentido
Não vês que nada nos dirá mais do que nos diz nada

Se eu largar eu vou sentir a sua falta

Tu és tu sempre que tu és
És mesmo tu quando pensas que és outra coisa
E tu pensas que não mas tu és mesmo bom a ser sempre
Quem és
Daí o teu motivo ser inapagável
Daí o teu desejo ser incontornável
O prazer é tão maleável
Daí o seu valor ser inestimável

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