Manel Cruz & Orquestra Jazz de Matosinhos

As músicas não valem nada sem quem as toca, são como peúgas vazias com olhos abotoados à espera de uma mão que as anime. Eu tenho uma dúzia delas que espero elásticas, e se o não forem, que rompam.

quando eu for alguém melhor
vais a tempo de me avisar
quando eu for digno de te ouvir
aproveita pra dizer
quais os passos que devo dar
se eu não for capaz de o ser
desiste

as minhas provas
que tu reprovas
são novas provas
que tu aprovas
todas as provas
que tu aprovas
calam as provas
que tu reprovas

são só ideias
e as suas teias
são só desejos
nas nossas veias
nossos receios
e suas sobras
são nossas provas
diz-me se aprovas

as minhas provas
que tu reprovas
são novas provas
que tu aprovas
todas as provas
que tu aprovas
calam as provas
que tu reprovas

são só ideias
e as suas teias
são só desejos
nas nossas veias
nossos receios
e suas sobras
são nossas provas
diz-me se aprovas

Arranjo: Paulo Perfeito

Dá notícias do fundo
Como passam teus dias
Diz se a razão nos chega para viver
Se amor nos serve,
Amor não dá de comer
Fico melhor assim
Em todo o caso vai pensando em mim

Se tocámos em alguma coisa
Se me chamas por algum motivo
Se nos podem ver
Se nos podem tocar

Meu desejo
É morrer na paz do teu beijo
Sem futuro
É lutar por um beijo mais puro

Eu vou estar sempre aqui
Nada vai mudar
Sinto-te arder no meu fundo
Eu vou estar sempre aqui
Nada vai mudar
Sinto-te entrar no meu mundo
Fundo

Nós tocámos em algumas coisas
Nós seguimos por alguns sentidos
Se nos podem ver
Não nos podem tocar

Meu desejo
É morrer na paz do teu beijo
Sem futuro
É lutar por um beijo mais puro

Arranjo: Carlos Azevedo

mãe eu já não sou quem era
agora tenho a minha guerra
a minha luta privada
ainda oiço a canção da lua
só já não me afasta do nada

mãe
a vida é esta merda
dela só o cheiro se herda
trocamos sonhos por qualquer porcaria
canta de novo a canção da lua
enquanto não chega o dia

Arranjo: Telmo Marques

Manel Cruz & Orquestra Jazz de Matosinhos | 09 Jun 2018 from Casa da Música on Vimeo.

O meu irmão sempre foi um criador. Se recuar à nossa infância consigo vê-lo outra vez a brincar com os bonecos, empreendendo lutas, diálogos, celebrações e sonhos como quem constrói o seu próprio mundo. O desenho, que apareceu mais tarde, e a música, depois ainda, obedeceram à mesma pulsão: criar ilusões.
Acontece que quando se é criança nos legitimam o espaço ilusório e, assim, mesmo brincando sozinhos estamos com os outros, somos o que é suposto sermos. Crescer implica, de certo modo, aceitar que há uma realidade, um planeta, mas a violência desse processo depende do que cada um de nós vai deixando em planetas anteriores. Ora, eu acredito que o Manel, tendo comprovadamente crescido e sustentado a sua residência neste chão, sente muitas saudades das migalhas que de si foram voando pelo "existido", como ele dizia quando era pequeno. Talvez, então, a arte seja para ele, entre os modelos de actividade que o planeta compreende, mais do que uma escolha, uma inevitabilidade. A nave onde rasga o universo à procura dos bonecos perdidos, dos versos perdidos, das melodias perdidas, na esperança que não se lhe apaga de os poder vir a reunir, outra vez, lá mais à frente, e acabar a vida como a começou: brincando sozinho, com todos.

Marco Cruz

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