Um fã é:

a) um mega-fanico
b) uma imagem projectada por um fantascópio
c) um admirador incondicional
d) um coleccionador de fanzines

Cada vez que entrares num teatro...

Regina Guimarães

Ao meu pai António
Ao meu irmão João
Ao meu filho Loup
Aos meus netos Maio e Marin
Ao meu companheiro Saguenail

Era uma vez um eu que tinha quase mil anos mais ainda não tinha chegado aos dez, embora todos os dias fizesse tudo o que podia (e até o que não era permitido) para crescer.
Era uma vez um eu que queria conversar com gente crescida de assuntos crescidos. Achava bonitos principalmente sobretudos e os chapéus com três bicos dos homens que não eram meus. Achava deliciosos certos perfumes que subiam à cabeça, certas golas, estolas e mitenes das mulheres da eterna idade da minha mãe - as vossas avós explicarão, se lhes pedirdes.
Era uma vez eu acreditar que escrever era a minha vocação.
Depois, a vida foi-se vingando e fazendo de mim uma espécie de escrava do escrever.

Era uma vez eu julgar que tinha nascido na era errada e imaginar-me no papel do escriba ou do escritor público. Ainda assim, escrevia mesmo, às escondidas dos meus pais, cartas de amor verdadeiro e aerogramas de amor caridoso para amantes e madrinhas de guerra analfabetas.
Eram duas vezes.
Eu tinha medo de esquecer para sempre as vozes das pessoas que amava porque já sabia que somos mortais. Então, antes de adormecer, tentava recordar as falas dos mortos e reter na mentes as falas dos vivos.

Que relação existe entre tudo isto e o que escrevi para vós e voz? Na verdade, a relação é toda e tudo é relação: primeiro, os fantasmas estão à nossa volta e lembram-nos que há muitas vidas na vida; segundo, os fantasmas querem ser amados como as estrelas do céu e as estrelas da terra, isto é, querem fãs; terceiro, a voz é a melhor amiga dos homens e não é necessário passeá-la como os cães. Etc.

Era uma vez tu que tinhas mais ou menos mil anos, qualquer coisa entre dez antes e dez a seguir. Confio-te o Fantasputo, que é espanta-esperto como um alho. Não me deixes mal. Não precisa de ser guardado por ninguém, nem ninguém poderia prendê-lo. Precisa, isso sim, de ser acordado de vez em quando. Com cantigas antigas ou novas. Precisa de ser amado como os outros tus e eus entre os quais há elos e nós.
Cada vez que entrares num teatro para ouvir o outro lado da vida, pensa na pequena assombração que aqui te foi oferecida.

Um clã é:

a) um clandestino a fugir do destino
b) uma tribo composta por várias famílias
c) um clamor muito longínquo
d) uma marca de tabaco para cachimbo

No baile das bambolinas

Varanda sem Julieta
quartelada sem Romeu
cena gaga cena preta
quem aqui está não sou eu

Cada vez que canto mudo
escuto o desenho da luz
canto para ser mudada
o escuro não me seduz

Boneca de som
vestida de mil cortinas
no baile de bambolinas

A luz tem a sua mesa
a cena tem uma boca
ribalta mas não baixeza
no palco posso ser louca

Ao grão da voz junto o tom
ao refrão dores de barriga
e junto o som ao frisson
do medo faço cantiga

Boneca de som
vestida de mil cortinas
no baile de bambolinas

Acho que tanto me faz
ficar na cauda das vendas
ser cabeça de cartaz
ou buraco nas agendas

Bichinho de camarim
a aranha desce da teia
todas as vozes em mim
se alimentam de plateia

Boneca de som
vestida de mil cortinas
no baile de bambolinas

Qual é a casa qual é ela
que torre que tem fosso
microfones de lapela
e microfones de rosto

Que tem pano para mangas
e cortina de veludo
estrelas feitas de missangas
e céu de anjinho papudo

Que casa é mais do que minha
e embora a ninguém pertença
eu lá sinto-me rainha
tão pequena e tão imensa

Boneca de som
vestida de mil cortinas
no baile de bambolinas

Um teatro é:

a) um lugar onde se vê e é visto
b) uma atitude inutilmente exagerada
c) um salão onde se estuda anatomia
d) uma tia a esperar no átrio

...

E também há os teatros de guerra...

Além do Fantasma da Ópera1, cuja história - também ela de amor entre um fantasma e uma jovem cantora - nos serviu de inspiração, outros fantasmas assombram a literatura universal e não só.

Há o Fantasma da Mrs. Muir2, uma viúva que se muda para uma casa assombrada pelo dito espectro numa estação balnear. Entre ela e o espectro cria-se uma relação íntima. Só após a morte, ao cabo de muitos anos de segredo, Mrs. Muir poderá juntar-se ao espírito que por ela se apaixonou.

Há o Baron Samedi, uma figura oriunda do vodu haitiano. Usa cartola branca, fato preto a rigor, óculos escuros com uma lente partida e algodão a tapar as narinas. Gosta de rum e de tabaco. O seu rosto é uma caveira e fala com voz nasalada. Espírito da morte e da ressurreição, o Baron Samedi vive à entrada dos cemitérios, perturbando os mortos e assustando os vivos.

Há o marido e amante de Dona Flor3, uma pacata brasileira da Bahia. O Fantasma do Defunto Valdinho - que fora um incorrigível boémio, bêbedo e jogador - assombra a vida de Dona Flor, entretanto casada com um farmacêutico do tipo mosca-morta. Então Dona Flor, saudosa, hesita em manter-se fiel ao novo esposo.

Há os assustadores fantasmas japoneses, por exemplo Ubume, o espírito duma mulher que morreu no parto, por vezes evocada como uma mãe que se deixa finar para garantir que o filho sobreviva. Usa vestes brancas, tem cabelo comprido e escuro. Em algumas histórias, Ubume compra guloseimas para as crianças vivas com moedas que depois se transformam em folhas secas.

Há as Damas de Branco, que fizeram correr rios de tinta.
Aparecem em regiões rurais e, supostamente, faleceram de forma trágica ou sofreram, em vida, alguma espécie de trauma. As Damas de Branco aparecem em diversas culturas, sendo o denominador comum a situação de perda ou de traição de um marido ou noivo.

Há os Poltergeists, que são, o mais das vezes, movimentos de objectos inexplicáveis, chuvas de pedras, barulhos sem causa física aparente, perturbações de aparelhos eléctricos, luzes a acender e apagar, mais raramente formas desfocadas.

Há o Holandês Voador, um lendário barco que voga e vogará pelos mares até ao fim dos tempos, sem poder aportar. Rezam as narrativas dos marujos que esse veleiro fantasmagórico navega e navegará sempre contra o vento. Quando saudado por outra embarcação, a sua tripulação tentará mandar mensagens para terra ou para pessoas mortas.
Esta história serviu de inspiração ao compositor alemão Richard Wagner, que criou uma ópera chamada O Navio Fantasma.

Há a Estátua do Comendador, que aceita o convite do sedutor D. Juan e o arrasta para as chamas do inferno, assim vingando a sua honra e a virtude de todas as mulheres seduzidas e abandonadas.

Há a Vénus d'Ille5, uma estátua preta com olhos brancos e expressão feroz, nua até à cintura, que é desenterrada por arqueólogos e se torna perigosa para os homens que ofendem o Amor.

E existem os Caça-Fantasmas6, nascidos há trinta anos em Hollywood, e encarnados por três sujeitos um tanto pataratas. E se deixassem os fantasmas sossegados?

O nosso Fantasputo ficou órfão muito cedo e saiu das entranhas do teatro para ser adoptado.
Felizmente, existe gente que, em assuntos de afecto, não liga às aparências e vê sempre o lado melhor do que parece defeito.

1 - É o título de um romance gótico de Gaston Leroux, publicado pela primeira vez sob a forma de folhetim seriado, na gazeta francesa Le Gaulois, entre 1909 e 1910.
2 - The Ghost and Mrs. Muir é um belo filme da autoria do cineasta norte-americano Joseph L. Mankiewicz, estreado em 1947, com argumento de Philip Dunne.
3 - Protagonista daquele que é porventura o romance mais popular de Jorge Amado.
4- A história tem muitas versões, mas as mais conhecidas são a peça D. Juan de Molière e a ópera Don Giovanni de Mozart.
5 - Personagem de uma novela de Prosper Mérimée publicada em 1837.
6 - Um êxito de bilheteira realizado pelo cineasta Ivan Reitman em 1984.

O rock'n'roll é:

a) um estilo musical nascido no início dos anos 50 do século XX
b) uma barulheira abrupta de pedras a rolar
c) uma jogada de xadrez muito excêntrica
d) um brinquedo de criança de colo

texto
Regina Guimarães
música
Clã
composição e direcção musical
Hélder Gonçalves
encenação, cenografia e figurinos
Nuno Carinhas
desenho e luz
Wilma Moutinho
desenho de som
Nelson Carvalho
movimento
Victor Hugo Pontes

Uma cantora é:

a) um galo do sexo feminino
b) uma senhora chamada Bianca Castafiore
c) um cântaro de asa quebrada
d) uma mulher que pensa com a voz

interpretação
Fernando Gonçalves
Hélder Gonçalves
Manuela Azevedo
Sara
Miguel Ferreira
Pedro Biscaia
Pedro Rito
João Monteiro
Luca, o Fantasminha
Maria Quintelas Sabrina
Pedro Frias Calu

Um director de cena é:

a) um encenador muito mandão
b) um sujeito que conduz os actores no escuro para que não se percam
c) um tipo que dá as deixas para as entradas de actores, luz, som e maquinaria
d) o guia espiritual de uma trupe

produção
TNSJ

Uma banda é:

a) uma história aos quadradinhos
b) um bando de mulheres
c) uma cinta de oficiais militares
d) uma corporação de músicos

dur. aprox. 1:00
M/6 anos

Uma superstição é:

a) um casarão onde vivem super-heróis
b) uma maneira de superar o medo sem o confessar
c) uma crendice que pretende remediar o irremediável
d) um grande pedaço de lenha em brasa

Teatro Carlos Alberto
5-29 Janeiro 2017

qua+qui 11:00
sex 21:00
sáb 16:00+21:00
dom 16:00

Um musical é:

a) uma música escrita nas bordas de um jornal
b) uma musa branca como cal
c) um espectáculo em que se canta e se espanta
d) uma melodia espectral que soa a ameaça

Língua Gestual Portuguesa + Audiodescrição
29 Jan dom 16:00

Uma sara é:

a) uma vasta zona desértica
b) uma pessoa capaz de curar
c) um nome de princesa no Antigo Testamento
d) um nome de dama dona de uma voz rara

ficha técnica TNSJ
produção executiva
Eunice Basto
direcção de palco
Emanuel Pina
direcção de cena
Cátia Esteves
maquinaria
Filipe Silva (coordenação)
António Quaresma
Adélio Pêra
Carlos Barbosa
Joaquim Marques
Jorge Silva
Lídio Pontes
Paulo Ferreira

luz
Filipe Pinheiro (coordenação)
Abílio Vinhas
Adão Gonçalves
Joaquim Madaíl
José Rodrigues
Nuno Gonçalves
João Brito

som
Francisco Leal (coordenação)
António Bica
João Oliveira
Joel Azevedo

Uma sabina é:

a) um arbusto da família das coníferas
b) uma região da Península Itálica
c) uma sujeita muito sabida e fina
d) uma cantora que receia ser raptada

Um fantasma é:

a) uma alma penada que erra sem dar erros de ortografia
b) uma asma puramente espiritual
c) um fanático em fuga
d) uma quimera mascarada de espantalho

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